28 dezembro 2007

Espiritualidade a baixo preço

Imaginemos que estamos a aproximarmos do Templo de Jerusalém no ano 30 D. C. Chegámos um pouco atrasados, e não tivemos tempo para adquirir aves para os sacrifícios – num dos quatro mercados que, há já alguns anos, têm existido para o efeito, no Monte das Oliveiras. Também trazemos moeda romana e pensamos separar algum dinheiro para a oferta. Só que sabemos que a oferta tem que ser feita em moeda de Tiro, a moeda mais parecida com a moeda tradicional hebraica (actualmente suprimida pelos romanos). Vamos ter que cambiar o dinheiro que trazemos.

Sentimo-nos sinceramente embaraçados com o nosso atraso: a verdade é que a vida se está a tornar cada vez mais complicada. E ainda temos que cambiar o nosso dinheiro e comprar as pombas.... Felizmente sabemos que Deus compreende tudo e não irá levar a mal o facto de chegarmos depois do início dos sacrifícios....

Já há algum tempo que não vamos aos sacrifícios: estávamos a tentar honrar Deus na nossa vida íntima, mas como «não-praticantes», não sentindo a necessidade de actos de culto públicos. A verdade é que já vimos muitos hipócritas nos actos de culto... achámos que, sem ir ao culto, podíamos fazer melhor do que esses. Mas, agora, resolvemos dar mais uns passos: afinal Deus pode estar a querer alguma coisa de nós, em troca da saúde e prosperidade que Lhe estamos a pedir. Vamos tentar ser autênticos: se os outros que vão ao nosso lado são hipócritas, o problema é deles.

Ao chegarmos perto de Jerusalém, ouvimos dizer que houve mudança. Deve ter sido trabalho do sumo sacerdote Caifás, homem conhecido por ser progressista, e que já fez muito para tornar mais prático e acessível o culto a Deus. O pátio dos gentios do templo hoje está com um movimento inusitado. Caifás agora está a permitir que os animais para os sacrifícios sejam vendidos e o câmbio do dinheiro efectuado aqui mesmo! Para quem vive desse negócio, sem dúvida é bom: a margem de lucro é baixa, mas tem muito mais clientes. E, para os adoradores, as vantagens são óbvias. Graças a esta modificação, desta vez vamos conseguir chegar praticamente a horas! Quem é que disse que a religião não pode ter mais procura, e os sacerdotes serem mais bem sucedidos, se tentarem tornar os actos um pouco mais «user-friendly»?

Mergulhamos momentaneamente nestas reflexões - mas a seguir avançamos até às mesas de venda , para ganhar tempo.

Só que, ao chegarmos, vemos que um jovem, com ar de rabí, está a causar um grande distúrbio. Está com um ar furioso. Está literalmente a derrubar as mesas dos cambiadores e dos que vendem pombas. Está a expulsar os negociantes. E está a dizer qualquer coisa entre dentes sobre o «zelo pela casa de Deus». Será um elemento de alguma seita fundamentalista? Será alguém que não se convence que a religião, se quiser ter algum sucesso, tem que “andar com os tempos”?


Sugerimos que o leitor leia Marcos 11:15-18, para identificar o jovem rabí e tentar compreender porque é que age assim. E, depois, considere as seguintes perguntas acerca das implicações deste estranho encontro.


  1. O leitor entende que o seu envolvimento no culto público deve ser cada vez mais facilitado, «rentabilizando» o tempo de maneira a poder cumprir cada vez mais obrigações religiosas em cada vez menos tempo?

  2. Aprecia pregadores ou pastores «abertos» que não se queixam perante os seus lapsos e descuidos, a sua falta de pontualidade e a sua falta de reverência nos actos religiosos, tentando ser o mais «facilitadores» possível?

  3. Prefere um ambiente religioso que o faça «sentir-se bem», e que atrai muitos visitantes, em comparação com um em que o pregador o «incomoda» com temas como o pecado e o arrependimento – temas estes que podem fazer com que não se sinta tão bem?

  4. Acha que uma pessoa que agisse no espírito deste jovem rabí teria alguma razão para denunciar atitudes no movimento evangélico actual que denotam um espírito comercial?

  5. Em que medida aceita os argumentos usados a favor de certas práticas no meio cristão, que são essencialmente comerciais: «dá resultado ..... as pessoas gostam.... as igrejas que fazem assim têm um grande crescimento numérico»?


E, se estas perguntas vos desafiaram de alguma maneira, digam-nos!

15 dezembro 2007

Belém: a Cidade onde Jesus nasceu.

NATAL 2007: Alguns pensamentos de Alan e Celeste Pallister.

A entrada principal em Belém na actualidade passa por esta barreira de blocos de cimento. Sob domínio palestiniano desde os Acordos de Oslo de 1995, tem sido o cenário de incidentes violentos - com a morte de residentes cristãos e israelitas - e com a retaliação de israelitas - o que tem levado cada vez mais cristãos a emigrarem.

Qualquer história da cidade mostrará como a Igreja da Santa Natividade – construída em 326 d.C., no local em que se supõe que Jesus nasceu, por altura da visita à cidade de Helena, mãe de Constantino – tem sido o centro de reivindicações, contra-reivindicações e derramamento de sangue.

Seria uma tentação recuar na história para tentar encontrar uma época feliz no passado em que Belém era um local idílico e próspero – não é verdade que o nome significa «casa de pão»? É verdade que o Rei David nasceu em Belém, mas nada no relato da sua chamada do seio de uma família humilde parece ter a ver com o lugar de nascimento de um rei. A sua bisavó moabita, Ruth, foi a Belém e casou com um homem respeitável da terra, atingindo assim uma certa proposperidade. Mas o seu primeiro marido juntamente com ela e com os seus dois filhos tinham fugido de Belém para o território dos moabitas, por causa da fome. Só se tornou uma cidade «de pão» quando Deus de alguma maneira interveio.

A história pavorosa em Juízes – de uma concubina de Belém que foi dada para satisfazer a cobiça sexual de habitantes perversos e depois morreu, sendo o seu corpo dividido em doze partes e distribuído pelas tribos de Israel – também deve ser referida. A história deve ter sido contada durante muitas gerações, fazendo arrepiar os visitantes.

Quando Jesus nasce na cidade de Belém, a pobreza e dureza da situação são manifestas – apesar dos cartões de Natal que conseguem dar a ideia de que o lugar de nascimento numa manjedoura é idílico e pitoresco. E o ambiente de violência arrepiante ressurge de imediato quando o rei Herodes, cheio de ciúmes e temendo pelo seu trono, manda matar todos os bebés de sexo masculino, com dois anos ou menos, em Belém e arredores – situação esta da qual José e Maria só conseguem salvar o bebé Jesus porque são avisados por um anjo e fogem.

Depois do nascimento de Jesus, a história de Belém é extremamente perturbadora. Tragicamente a própria igreja da Natividade, que foi construída para comemorar o Seu nascimento, tem sido o foco de séculos de conflito e violência.

Mesmo assim, o profeta Miqueas profetizou que Belém seria o lugar de nascimento do Rei (Miqueias 5:2). Mateus, que cita uma versão desta profecia, diz que a cidade não é «de modo nenhum a menor entre as capitais de Judá». Pode não ter sido um lugar grande em si, mas tem uma grandeza derivada do facto de o Messias ter nascido aí.

A graça de Deus é assim. Vem até vidas desfeitas por conflito e angústia e traz-lhes a paz e o pão da Sua presença. Mas só experimentamos esta graça na medida em que andamos em obediência a Ele.

Ainda não criou nenhum paraíso na terra para o qual possamos retirar-nos para estarmos imunizados contra os efeitos da injustiça e violência humanas. Nem sequer as casas de familiares para as quais gostamos tanto de nos retirar no Natal. Nem sequer «O Canto da Rola», que é um lugar bastante agradável e (em geral) pacífico para passar uma temporada! A Sua paz, que transforma a Belém do sangue e da guerra na cidade do Rei, age de uma forma sobrenatural nas nossas vidas de maneira que, sejam quais forem as pressões às quais estamos sujeitos, podemos ser canais e instrumentos da Sua paz.