17 abril 2010



ACERCA DA PROSTITUTA DA BABILÓNIA...

Não era exactamente o texto que teria escolhido para um culto em que uma bebé ia ser apresentada ao Senhor!

Mas, seguindo a prática na nossa igreja de pregação expositiva, capítulo por capítulo, chegámos no dia 11 deste mês ao capítulo 17 de Apocalipse!

Veio-me a ideia de relacionar os temas de dinheiro, sexo e poder (cf. livro de Richard Foster, com esse mesmo título) – tão graficamente apresentados aqui na figura da prostituta – com o tema do «idiota», principal personagem do famoso romance de Dostoievski. Numa certa altura o autor faz a seguinte avaliação do Príncipe Miushkin:
«Ele não se importava com pompa ou riqueza, nem mesmo com estima pública, mas importava-se apenas com a verdade».

Quem questiona marginaliza-se. A alta sociedade russa do século XIX sentia-se na necessidade de classificar como “idiota” uma pessoa ingénua e generosa, mas que se preocupava sobretudo com a verdade...

O cerne da minha mensagem no culto do dia 11 foi muito simples. O problema real de Miushkin era a sua perspicácia: era o facto de ele ver a realidade à sua volta e analizá-la com inteligência. Não se deixava ludibriar pela «prostituta». Quem segue a prostituta, prostituindo-se com os valores do dinheiro, do sexo e do poder, fá-lo só porque não analisa correctamente a realidade, nem o verdadeiro resultado das coisas. Quer acreditar que o dinheiro e o prazer sexual extra-conjugal trazem felicidade: mas não se detém na análise de vidas vividas com estes objectivos que terminam na frustração e na tragédia. Por norma não consegue encontrar nem sequer um exemplo de uma pessoa a quem a «prostituta de Babilónia» tenha trazido algum prazer ou benefício reais. Mas abraça-a mesmo assim, fechando os olhos para a realidade e, como quem se embriague, quer convencer-se que é assim que uma pessoa se torna feliz.

Fechar os olhos – e agir com base numa ilusão – é o que o transforma num verdadeiro «idiota».

Também focámos o facto de os dez reis, a quem a mulher dá temporariamente algum poder, se terem virado contra ela (v.16). Os valores da Babilónia destruem-se a si próprios. E é o Deus soberano que usa estes reis para cumprir os Seus propósitos de julgamento.

Apocalipse 17 é bastante drástico! Divide o mundo entre dois tipos de pessoa: aquela que questiona ou rejeita os valores da Babilónia e é chamada «idiota» e aquela que os abraça e realmente é «idiota».

A palavra «idiota» não é bíblica, é verdade! Mas, no fim do sermão, lembrei as pessoas que Deus, nas palavras de Paulo, escolheu «as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias» (1 Cor. 1:27). Afinal a ideia de João e a de Paulo são iguais. Se nos preocuparmos sobretudo com a verdade seremos chamados «idiotas» por causa disso. Mas não valerá a pena?

03 abril 2010

Um outro Calvino, «bullying», outros «infernos» e como fugir deles......

Hoje, na véspera do domingo da Páscoa, mando uma cópia de um artigo publicado no boletim da nossa igreja e na «Gazeta das Caldas». A série de «retalhos da vida de um pastor» provavelmente vai parar por enquanto: mas a história não está completa - e podemos sentir-nos motivados a continuar de aqui algum tempo. Feliz Páscoa a todos de
Alan Pallister.


Encontrei este pensamento no último parágrafo de um intrigante e estranho romance italiano: «As Cidades Invisíveis» de Italo Calvino (1972).
Depois de o explorador Marco Polo descrever cidades imaginárias para o Grande Imperador Kublai Kan, afirma que «o inferno dos vivos não é uma coisa que virá a existir; se houver um, é o que já está aqui, o inferno que habitamos todos os dias, que nós formamos ao estarmos juntos». À parte todos os problemas que afligem a humanidade, tais como terramotos, tsunamis e doenças, há também aqueles que o ser humano inflige ao seu próximo, pensando que aquilo que faz é bastante normal e facilmente perdoável: a fraude, a mentira, o adultério, a intriga..... Quem não sabe que podemos passar dias que são um “inferno” por causa de alguma deslealdade de um amigo ou familiar? Um episódio de «bullying» numa escola, por exemplo, é suficiente para mergulhar um adolescente na mais profunda angústia e, como sabemos de notícias recentes, levá-lo ao suicídio.
O livro «As Cidades Invisíveis» não faz qualquer referência à perspectiva cristã. Mas, diz Polo, «Há dois modos para não o sofrermos....» (isto é, o inferno que as pessoas vivem aqui). «O primeiro torna-se fácil para muita gente: aceitar o inferno e fazer parte dele a ponto de já não o vermos».
Considerando como cristão esta afirmação que faz, tenho que confessar que concordo bastante. A experiência da vida traz desgostos – alguns causados pelos outros e alguns (muitos até) por nós próprios. Chegamos à conclusão de que não há nada a fazer. Se alguém me engana, tenho que sobreviver – então irei enganar outros. Quantos cônjuges, para se vingarem das infidelidades dos seus parceiros, não se envolveram também no adultério? Sofrem duplamente – e sofrem aqueles que não têm culpa, nomeadamente os filhos. O “inferno” vai-se ampliando à volta da pessoa e de todas as suas relações familiares. E, até no inferno, imagino que muitas das conversas das pessoas serão para se justificarem a si próprios: «O que os outros fazem, eu também tenho direito de fazer.....».
Se formos perguntar a esta pessoa, ainda viva, se está no “inferno”, provavelmente irá dizer que não. Quer convencer-se de que a vida ainda é um lugar melhor do que isso.... mas, até para si própria, as palavras soam ocas!

O segundo modo que Marco Polo propõe – embora dizendo que «é arriscado e exige uma atenção e uma aprendizagem contínuas», é «tentar e saber reconhecer, no meio do inferno, quem e o que não é inferno, e fazê-lo viver, e dar-lhe lugar».
Nunca imaginei que um livro que não faz referência ao cristianismo terminasse com frases tão interessantes!

Cada Páscoa as igrejas cristãs convidam-nos a reflectir sobre aquilo na vida que “não é inferno”. Uma leitura dos Evangelho leva-nos à reflexão sobre uma pessoa que não só ensinava a amar o próximo, independentemente de classe ou raça, mas que também praticava esse ensino – até ao ponto de incluir, ao lavar os pés dos discípulos, o traidor Judas. Onde uma pessoa age assim, creio que posso afirmar categoricamente, que não é “inferno”.
Quando posteriormente os seguidores de Jesus, como os Actos dos Apóstolos relatam, procederam da mesma forma – o mártir Estêvão, por exemplo, pedindo perdão para aqueles que o apedrejavam, creio que posso igualmente afirmar também que não é “inferno”.
Não valerá a pena tentar saber quem é que pode fazer viver esta atitude? Não valerá a pena investigar se, no meio das muitas igrejas que hoje se chamam cristãs, não há algumas que, sendo fiéis aos ensinos e exemplo do Seu fundador, procuram de todo o coração viver aqui de acordo com eles? Não iremos encontrar alguns espaços no mundo pós-moderno e traidor em que vivemos, que «não são inferno»? Igrejas perfeitas não iremos encontrar: igrejas em que o desejo prevalecente – e que dão pelo menos algumas expressões práticas disso – acredito que iremos encontrar... e em muitos lugares!
Na minha convicção isto é porque Jesus ressuscitou a seguir à Páscoa judaica, e, tendo ressuscitado, deu vida nova a todos os que lhe «davam lugar» .... isto é que o aceitaram com confiança e com um compromisso claros.
Em vez de aceitar o “inferno” e fazer parte dele, não será melhor procurar com sinceridade algum pequeno espaço que não seja “inferno” e tentar viver nele? E não será melhor, sobretudo, procurar maneira de que seja retirado o “inferno” que está no íntimo de cada um de nós, pedindo isso Àquele que viveu sem pecar e que morreu para nos dar o perdão e oferecer a Sua salvação?

Aqui vai o meu desafio. Visitem uma igreja esta Páscoa. Sugiro que comecem com alguma daquelas que se chamam «evangélicas» - por causa do compromisso que assumem com a Bíblia.